COITADINHO, TÃO ESTRESSADO
Cláudio de Moura Castro – Veja 23 de agosto de 2011
“Se há stress
entre nossos vestibulando , não é por excesso de dedicação, por horas
demais diante dos livros, mas por falta de hábito de estudar”.
A Senhora Deborah Stipek se preocupa com o stress dos seus alunos que
tentam entrar em universidades hipercompetitivas. Poderiam ser mais
felizes e tão bem-sucedidos se fossem para outras com menos nome.
Corretamente interpretado, é um comentário pertinente. Contudo, ela é
diretora do Departamento de Educação de Stanford e a nota saiu como
editorial na revista Science, ambos prestigiadíssimos. Há o risco de
ser mal interpretada no Brasil, onde alguns festejam as desculpas para
a malandragem. Dito e feito, foi isso que lemos na nossa imprensa.
Entendamos o stress. Sentindo a ameaça de ser comido por uma onça, o
corpo reage, reajustando o fornecimento de energia para cada órgão e
preparando-se para fuga ou a luta. Hoje há menos perigos físicos, mas a
reação é a mesma, diante de uma ameaça, seja o medo de levar bomba na
escola ou perder a promoção. Porém, os caminhos do stress são tortuosos
(além do que poderíamos explicar aqui). Em primeiro lugar, o que causa
stress não é a ameaça em si, mas nossa insegurança de lidar com ela.
Pesquisas mostraram baixo stress em advogados defendendo causas
difíceis, o qual virava alto stress diante do trânsito engarrafado.
Policiais de Los Angeles tomam facas de criminosos, perseguem bêbados
na estrada e terminam o dia na delegacia fazendo seu relatório.
Supressa! O stress só aparece na delegacia, absolutamente segura. A
lógica é cristalina. O advogado passou anos se preparando para lidar
como stress dos tribunais, mas não os imponderáveis do trânsito. O
mesmo ocorre com o policial. Tomar facas é sua profissão. Escrever um
relatório que pode ser criticado por seus superiores é terreno
pantanoso.
Em segundo lugar, stress não é necessariamente uma coisa ruim. Pode ser
boa. O ato de criação pode ser estressante. Tarefas desafiadoras podem
ser estressantes e boas. Portanto, evitar o stress pode significar
distanciar-se de realizações. Entras nas universidades de primeira
linha é dificílimo. Mas é nelas que se concentram as melhores cabeças e
de onde saem as melhores ideias e inovações. É por isso que ouvimos
falar tanto de Harvard ou Stanford. Aliás, a professora Stipek trocaria
seus orientandos por outros, de universidades mais fáceis?
Voltando à escola, o stress não tem a ver com o número de horas de
estudo ou com a dificuldade do assunto ou sua chatice – mas com a falta
de preparação para lidar com isso. Um coreano pode passar doze horas
estudando, todos os dias, sem stress, pois é seu hábito. Um brasileiro
que estuda dez minutos por dia vai ficar estressado se tiver que
estudar meia hora. Uma pesquisa curiosa ilustra a desconexão entre o
stress e suas causas. Verificou-se que alunos asiáticos ficavam
estressados quando tiravam notas ruins, trazendo a vergonha à família e
pondo em jogo sua reputação. Em contraste, americanos ficavam
estressados quando tiravam notas boas, pois eram malvistos pelos
colegas e xingados de nerds. Sofrer com o stress não é uma fatalidade.
A solução é aprender a lidar com ele, como fazem os advogados e
policiais citados. Achar que os alunos estão estressados porque estudam
demais é parte do cacoete que explica nossos péssimos resultados nos
testes internacionais.
Em uma pesquisa que realizei, foi possível notar que os alunos do
supletivo dedicavam mais horas à televisão por dia do que ao estudo
durante toda a semana. Outra pesquisa mostrou que, quanto mais elevada
a série, menos o número de horas de estudos diários – com maior
maturidade, deveriam estudar mais. Mesmo às vésperas do vestibular, as
horas de preparação são poucas, até no ensino privado. Os números
mostram: nossa educação combina uma jornada escolar curta com míseros
minutos estudando em casa. É o pior dos mundos.
Previsivelmente, o editorial da Science logo despertou o instinto
maternal nos nossos luminares: coitadinhos dos nossos alunos, tão
estressados! Mas está errado, se há stress, não é por excesso de
dedicação, por horas demais diante dos livros, mas por falta de hábito
de estudar. Estressado é quem nunca estudou direito e, de repente, ouve
dizer que para passar no vestibular é preciso mudar de vida. A solução
não deve ser estudar pouco ou buscar um curso fácil, mas aprender a
estudar e aprender a lidar produtivamente com o stress.
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